O presidente da Russia, Vladimir Putin, durante Diálogo dos Líderes com o Conselho Empresarial do BRICS

Por que a Rússia, que faz fronteira com a China e possui 146 milhões de habitantes, tem menos casos de coronavírus

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, disse nesta semana que seu país conseguiu impedir a disseminação em massa de coronavírus e que a situação estava “sob controle”, graças a medidas precoces e agressivas para impedir que mais pessoas sofram da doença.

Será que a Rússia tem coronavírus sob controle? Segundo informações divulgadas pelas autoridades russas, a estratégia de Putin parece ter funcionado. O número de casos confirmados de coronavírus russo é surpreendentemente baixo, apesar de a Rússia compartilhar uma longa fronteira com a China e registrar seu primeiro caso em janeiro.

Os números estão aumentando, mas a Rússia – um país com 146 milhões de habitantes – tem menos casos confirmados do que Luxemburgo, com 253 pessoas infectadas. Luxemburgo, por outro lado, tem uma população de apenas 628 mil habitantes, de acordo com o CIA World Factbook, e no sábado (21) havia registrado 670 casos de coronavírus com oito mortes.

As medidas de resposta antecipada da Rússia – como o fechamento de sua fronteira de 4.200 quilômetros com a China em 30 de janeiro e a criação de zonas de quarentena – podem ter contribuído para o atraso de um surto total, dizem alguns especialistas.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, respondeu às críticas sobre o número de casos registrados.

Um recorde histórico de testes

“O diretor-geral da OMS disse ‘teste, teste, teste'”, disse à CNN a médica Melita Vujnovic, representante da Organização Mundial da Saúde na Rússia. “Bem, a Rússia começou isso literalmente no final de janeiro”.

Vujnovic disse que a Rússia também adotou um conjunto mais amplo de medidas além dos testes.

“Testes e identificação de casos, rastreamento de contatos, isolamento: estas são todas as medidas que a OMS propõe e recomenda, e elas estavam em vigor o tempo todo”, disse ela. “E o distanciamento social é o segundo componente que também começou relativamente cedo”.

Rospotrebnadzor, órgão de controle estatal da Rússia, anunciou no sábado ter realizado, no total, mais de 156 mil testes de coronavírus. Em comparação, de acordo com dados do CDC, o Centro de Controle de Doenças americano, os Estados Unidos só aceleraram os testes no início de março, enquanto a Rússia diz que vem testando em massa desde o início de fevereiro, inclusive nos aeroportos, concentrando-se em viajantes do Irã, China e Coreia do Sul.

Isso não quer dizer que não houve falhas nas defesas da Rússia. A Rússia não começou a testar imediatamente aqueles que chegavam da Itália ou de outros países afetados da União Europeia, limitando seus controles a medir a temperatura de quem chegava da Europa e impondo quarentenas de duas semanas. A maioria dos casos de coronavírus relatados na Rússia foi trazido da Itália, segundo autoridades de saúde.

Desconfiança entre a população

Ainda assim, a Rússia enfrenta o ceticismo público generalizado, um legado de seu passado soviético. Nas redes sociais, os russos levantaram questões referentes ao fraco histórico de transparência de seu país, como o encobrimento da catástrofe nuclear de Chernobyl em 1986 e a resposta fracassada do país à epidemia de HIV/AIDS na década de 1980.

As autoridades agiram rapidamente para combater o que consideram desinformação. No início de março, o Serviço de Segurança Federal da Rússia e o serviço de vigilância da internet se mexeram para derrubar um post viral que alegava que o número real de casos de coronavírus era de 20 mil e que o governo russo estava encobrindo o fato. Os usuários do Facebook e Instagram na Rússia começaram a ver alertas de conscientização sobre coronavírus com links para o site oficial do Rospotrebnadzor.

As notícias de escassez de equipamentos de proteção também alimentaram o ceticismo. E alguns especialistas levantaram dúvidas sobre a confiabilidade do sistema de testes da Rússia, que depende de um único laboratório.

Um relatório da PCR.News, um meio de comunicação para médicos e profissionais de saúde, apontou que o único sistema de teste de coronavírus aprovado, produzido pela Vector na cidade de Novosibirsk, tem uma sensibilidade menor do que outros testes de vírus, suscitando preocupações sobre falsos negativos.

David Berov, o primeiro paciente confirmado com coronavírus em Moscou, escreveu no Instagram que seu segundo teste mostrou um resultado negativo, enquanto o primeiro e o terceiro deram positivo para o coronavírus.

“O vírus foi confirmado no meu terceiro teste, não foi visto no meu sangue, mas estava na minha saliva”, escreveu Berov em 5 de março. “Como me disseram, eles mal conseguiam vê-lo, por isso ficaram em dúvida por tanto tempo.”

A Vector não respondeu a um pedido de entrevista. A filial russa da OMS, no entanto, disse à CNN que recebeu as especificações para os kits de teste Vector e o laboratório foi colocado na lista de instituições aprovadas usadas para confirmar o coronavírus.

Alegações de encobrimento refutadas pelo Kremlin e pela OMS

Anastasia Vasilyeva, médica do militante da oposição Alexey Navalny e líder do sindicato da Aliança dos Médicos, ganhou as manchetes com uma série de vídeos nos quais ela afirma que as autoridades estão encobrindo números reais de coronavírus usando pneumonia e infecção respiratória aguda como diagnóstico.

“Veja, eles disseram que a causa da morte do primeiro paciente de coronavírus foi trombose”, afirmou Vasilyeva à CNN. “Isso é óbvio, ninguém morre de coronavírus, eles morrem de complicações, então é muito fácil manipular isso”.

As autoridades de saúde de Moscou negaram a acusação e disseram que estavam testando pacientes com pneumonia para coronavírus. A doutora Vujnovic, da OMS, também foi cética em relação à alegação de Vasilyeva.

“Se houvesse um acúmulo oculto e não reconhecido em algum lugar, seria visto nesses relatórios [de pneumonia]”, disse ela. “Então, eu não acredito que isso esteja acontecendo, o que não quer dizer que talvez tenhamos um aumento de casos no próximo período, porque vimos isso em muitos países”.

O próprio Putin abordou as preocupações com as estatísticas na quarta-feira, dizendo que o governo pode não ter uma visão completa, mas não está encobrindo os números.

“A questão é a seguinte: as autoridades podem não possuir a informação completa, porque as pessoas às vezes não a denunciam e elas mesmas não sabem que estão doentes, porque o período latente é muito longo”, afirmou Putin em uma reunião transmitida pela TV. “Mas tudo o que é divulgado pelo Ministério da Saúde são informações objetivas”.

Nesta semana, os números aumentaram, com a Rússia adicionando de 30 a 50 casos por dia, e a contagem provavelmente continuará sua trajetória ascendente à medida que a Rússia expandir seus testes. No entanto, o representante local da OMS diz que a Rússia ainda está relativamente bem, pois o país acompanha casos com ligações epidemiológicas a viagens ou transmissão familiar. Na manhã de sábado, o Rospotrebnadzor divulgou um número potencialmente mais preocupante do que o número de casos confirmados: 36.540 pessoas estão sendo monitoradas para possíveis casos de coronavírus.

Enquanto isso, o governo passou a impor medidas mais amplas, cancelando eventos públicos e fechando as fronteiras da Rússia para estrangeiros, com algumas exceções. Mas a política, como de costume, continua sob Putin: o presidente assinou um decreto agendando um referendo nacional sobre emendas constitucionais que o faria permanecer no poder até 2036, em 22 de abril. As autoridades prometeram monitorar a evolução dos coronavírus, mas até agora não mudaram a data.

CNN

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